O Direito ao Auxílio-Moradia para Médicos Residentes: Uma Análise Necessária

A residência médica é um período crucial na formação de profissionais de saúde, caracterizado por intensa dedicação e longas jornadas de trabalho. Nesse contexto, a garantia de condições adequadas para o residente, como o auxílio-moradia, torna-se fundamental para assegurar não apenas o bem-estar do profissional, mas também a qualidade de sua formação e, consequentemente, a excelência dos serviços de saúde prestados à população.

DIREITO MÉDICO

7/28/20255 min read

a group of doctors performing surgery in an operating room
a group of doctors performing surgery in an operating room
A Base Legal do Auxílio-Moradia para Médicos Residentes

O direito ao auxílio-moradia para médicos residentes está solidamente ancorado na legislação brasileira. A Lei nº 6.932/81, que regulamenta a residência médica, é o principal diploma legal que estabelece essa prerrogativa. Em seu Art. 4º, §5º, inciso III, a lei determina que as instituições de saúde responsáveis por programas de residência médica devem oferecer aos residentes condições de repouso e higiene, alimentação e moradia [2].

É importante ressaltar que a lei prevê o fornecimento do auxílio-moradia 'in natura', ou seja, a própria moradia. Contudo, a jurisprudência tem evoluído para reconhecer a possibilidade de conversão desse direito em pecúnia (dinheiro), especialmente quando a instituição não cumpre com a obrigação de fornecer a moradia física. Essa conversão visa compensar o residente pelos custos que ele teve que arcar com moradia por conta própria, garantindo que o direito não seja esvaziado pela omissão da instituição.

Essa previsão legal reflete o reconhecimento da natureza peculiar da residência médica, que exige dedicação exclusiva e, muitas vezes, o deslocamento do residente para outras cidades ou estados. O auxílio-moradia, nesse contexto, não é um benefício secundário, mas uma condição essencial para que o médico residente possa se dedicar integralmente à sua formação, sem a sobrecarga de preocupações financeiras relacionadas à habitação.

O Caso de Sorocaba: Um Exemplo da Aplicação do Direito

Para ilustrar a aplicação desse direito, podemos analisar um caso recente julgado pela 2ª Vara do Juizado Especial Cível de Sorocaba/SP. Uma médica residente, que cursou pediatria na Fundação São Paulo entre março de 2022 e fevereiro de 2025, não recebeu o auxílio-moradia, seja na forma de moradia física ou de compensação financeira, durante todo o período de sua residência [1].

Diante do descumprimento da obrigação legal por parte da instituição, a médica buscou na justiça a conversão do seu direito em indenização pecuniária, calculada em 30% do valor de sua bolsa mensal, totalizando R$ 45.577,71. A Fundação São Paulo, em sua defesa, alegou ilegitimidade passiva e a ausência de regulamentação específica para a conversão do auxílio-moradia em dinheiro [1].

No entanto, o juiz Douglas Augusto dos Santos refutou os argumentos da fundação. Ele reafirmou a legitimidade da instituição como responsável pelo programa de residência e destacou que a falta de regulamentação não exime a obrigação legal de fornecer a moradia. A decisão judicial enfatizou que, uma vez que a residência foi concluída e a obrigação não foi cumprida, a conversão em perdas e danos era imperiosa, utilizando o percentual de 30% da bolsa como parâmetro, em consonância com a jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo [1].

Este caso de Sorocaba é um exemplo claro de como o Poder Judiciário tem atuado para garantir o cumprimento da Lei nº 6.932/81, assegurando que o direito ao auxílio-moradia não seja negligenciado pelas instituições. Ele demonstra que, mesmo na ausência de uma regulamentação detalhada para a conversão em pecúnia, a obrigação de indenizar o residente pelo benefício não concedido é reconhecida e aplicada.

A Relevância do Auxílio-Moradia para a Formação Médica

O auxílio-moradia transcende a esfera de um simples benefício financeiro; ele se configura como um elemento crucial para a qualidade da formação médica e para o bem-estar dos futuros profissionais. A residência médica é um período de grande exigência, tanto intelectual quanto física, com cargas horárias extensas e a necessidade de imersão total no ambiente de aprendizado. A garantia de uma moradia adequada e acessível alivia uma preocupação significativa para o residente, permitindo que ele concentre suas energias no desenvolvimento de suas habilidades clínicas e no aprofundamento de seus conhecimentos teóricos.

Em muitos casos, os programas de residência médica estão localizados em grandes centros urbanos, onde o custo de vida, especialmente o de moradia, é elevado. Sem o suporte do auxílio-moradia, muitos residentes, que já recebem bolsas de estudo com valores que podem ser limitados, enfrentariam dificuldades financeiras consideráveis, comprometendo sua capacidade de se manter e de se dedicar plenamente à residência. Isso poderia, inclusive, desestimular talentos a buscarem a especialização em determinadas regiões, impactando a distribuição de profissionais qualificados pelo país.

Além disso, o auxílio-moradia contribui para a equidade no acesso à residência médica. Ao mitigar as barreiras financeiras relacionadas à moradia, ele possibilita que estudantes de diferentes origens socioeconômicas e de diversas regiões do Brasil possam concorrer e participar de programas de residência em qualquer parte do território nacional. Essa democratização do acesso é fundamental para a diversidade e a riqueza da formação médica brasileira, refletindo-se em um corpo clínico mais representativo e apto a atender às variadas necessidades da população.

Em suma, o auxílio-moradia não é apenas um direito legal, mas uma política essencial que reconhece as particularidades da residência médica e investe nas condições necessárias para que os médicos residentes possam se tornar profissionais de excelência. Ao garantir esse suporte, as instituições e o sistema de saúde como um todo fortalecem a base da medicina no país, assegurando um futuro com mais e melhores profissionais para a sociedade.

Conclusão

O direito ao auxílio-moradia para médicos residentes, garantido pela Lei nº 6.932/81, é um pilar fundamental para a formação de profissionais de saúde no Brasil. Ele assegura condições dignas de estudo e trabalho, promovendo o bem-estar do residente e a qualidade de sua formação. Casos como o da médica de Sorocaba reforçam a importância do cumprimento dessa legislação e demonstram que o Poder Judiciário tem atuado para garantir que esse direito seja efetivado, mesmo na ausência de regulamentação específica para a conversão em pecúnia.

É imperativo que as instituições de saúde e ensino reconheçam e cumpram integralmente suas obrigações legais, oferecendo o auxílio-moradia aos médicos residentes. Ao fazer isso, elas não apenas evitam litígios judiciais, mas, mais importante, investem na formação de profissionais mais capacitados e preparados para os desafios da medicina. A valorização do médico residente, por meio da garantia de seus direitos, é um passo essencial para a construção de um sistema de saúde mais robusto e equitativo para todos.

Referências

[1] Migalhas. Médica que não recebeu auxílio-moradia em residência será indenizada. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/435201/medica-que-nao-recebeu-auxilio-moradia-em-residencia-sera-indenizada. Acesso em: 28 jul. 2025.

[2] Lei nº 6.932, de 7 de julho de 1981. Dispõe sobre as atividades do médico residente e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6932.htm. Acesso em: 28 jul. 2025.